TEMPO DE SORTILÉGIO * O tríptico do Sonho
Por: José-Augusto de Carvalho
1
Eram belas, no céu, as estrelas!
Vinha longe a manhã... e era dia!
Poder vê-las... poder merecê-las...
Que delírio de cor florescia!
Era amante a ternura do vento,
afagando a liberta raiz...
Era o tempo do pão e do alento,
a sagrar, na verdade, a matriz.
As crianças brincavam, na rua...
As mulheres choravam, felizes...
Esta terra era minha, era tua...
Das feridas, tão-só, cicatrizes.
De olhos torvos, querendo entender,
os mastins, sem poderem morder...
2
Espingardas e cravos florindo
garantiam a todos a paz...
"Nunca mais voltaremos atrás"
era o grito do sonho tão lindo!
O poder era o povo e crescia...
Era a vida cumprindo a promessa...
Era o tempo do tempo com pressa,
que corria, corria, corria...
Era o sangue escaldante, nas veias...
Era a sede de todas as fontes...
Eram vales, planícies e montes,
horizontes sem dor nem cadeias...
Eram cravos de sonho florindo...
O poema mais lindo... mais lindo!
3
Na candura, a nudez sem idade,
a cantar a ternura do enigma,
de si mesma se fez paradigma
da grandeza da luz-claridade.
Claridade de nós, de mãos dadas,
ser de todos o todo que temos,
da fartura do pão que comemos
às crianças de sonhos perladas.
Só que presa não rima com fera...
Só que vida não rima com morte...
Só que o verso de puro recorte
sempre o zoilo indecente lacera...
E novembro chegou, prussiano...
e gorou o sonhar lusitano.
José-Augusto de Carvalho
13, 14 e15 de novembro de 2003
Várzea, São Pedro do Sul, Portugal
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