A Velhice - por Carl Jung
Por: João Márcio F. Cruz
A vida natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não consegue acompanhar essa vida,
permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura,
olham para trás e se agarram ao passado, com um medo secreto da morte no coração. Subtraem-se ao
processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto ficam paradas como colunas nostálgicas, com
recordações muito vividas do seu tempo de juventude, mas sem nenhuma relação vital com o presente.
Do meio da vida em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade, porque na hora
secreta do meio-dia da vida inverte-se a parábola e nasce a morte. A segunda metade da vida não
significa subida, expansão, crescimento, exuberância, mas morte, porque o seu alvo é o seu término. A
recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim. Tanto uma coisa como a outra
significam não querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio
formam uma só curva.
Sempre que possível, nossa consciência recusa-se a aceitar esta verdade inegável.
Ordinariamente nos apegamos ao nosso passado e ficamos presos à ilusão de nossa juventude. A velhice é
sumamente impopular. Parece que ninguém considera que a incapacidade de envelhecer é tão absurda
quanto a incapacidade de abandonar os sapatos de criança que traz nos pés. O homem de trinta anos ainda
com espírito infantil é certamente digno de lástima, mas um setuagenário jovem — não é delicioso? E, no
entanto, ambos são pervertidos, desprovidos de estilo, verdadeiras monstruosidades psicológicas. Um
jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho que não sabe escutar os
segredos dos riachos que descem dos cumes das montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia
espiritual e não passa de uma relíquia petrificada do passado. Está situado à margem da vida, repetindo-se
mecanicamente até à última banalidade. Pobre cultura aquela que necessita de tais fantasmas!
Nossa longevidade comprovada pelas estatísticas atuais é um produto da civilização. Entre
os primitivos só excepcionalmente se chega a uma idade avançada. Assim, quando visitei as tribos
primitivas da África oriental, vi pouquíssimos homens de cabelos brancos que poderiam ter
estimativamente mais de sessenta anos. Mas eram realmente velhos e parecia que tinham sido sempre
velhos, tão plenamente se haviam identificado com sua idade avançada. Eram exatamente o que eram sob
todos os aspectos, ao passo que nós somos sempre apenas mais ou menos aquilo que realmente somos. É
como se nossa consciência tivesse deslizado um pouco de suas bases naturais e não soubesse mais como
se orientar pelo tempo natural. Dir-se-ia que sofremos de uma hybris da consciência que nos induz a
acreditar que o tempo de nossa vida é mera ilusão que pode ser alterada a nosso bel-prazer. (Pergunta-se
de onde a consciência tira a sua capacidade de ser tão contrária à natureza e o que pode significar tal
arbitrariedade).
CARL GUSTAV JUNG
Trecho do livro A Natureza da Psique
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Bel. João Márcio F. Cruz
Autor do livro Os Quatro Pilares da Educação
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